Outro dia li em algum blog na auto-descrição da autora "odeio shows de culinária". "Você não sabe o que está perdendo, meu bem!", eu pensei... Infelizmente eles são disponíveis no Brasil apenas na TV por assinatura, então um monte de gente pode nem saber do que eu falo. Mas pra quem tem acesso aos programas, há de convir comigo que, no mínimo, eles alcançam seus objetivos principais de 1) ensinar as pessoas a cozinhar e 2) dar mais dinheiro ao chefs-celebridade!
Bom, primeiro é preciso dar uma categorizada, porque eles são muitos. São duas categorias básicas pra mim, Culinária (no dicionário, "arte de cozinhar"), e Gastronomia (termo que, por definição em diversos dicionários, começa com a simples "arte da cozinha", passando por "
Conhecimento de tudo que se relaciona com a cozinha, com o arranjo das refeições, com a arte de saborear e apreciar as iguarias")
Então, aqui uma pequena definição de cada... Um programa de culinária seria mais daqueles em que o apresentador não é chef profissional, mas se acha (e o produtor do programa também) um ótimo cozinheiro. Eles utilizam ingredientes mais frugais e ensinam a fazer comida simples, com cara de sofisticada. Nesta categoria eu coloco a Ofélia (acreditem, passei dias procurando foto ou vídeo dela e não achei!!! como é possível???), a porca, nojenta, chata e grotesca
Nigella Lawson (que além de cozinhar coisas extremamente não-saudáveis, ainda lambe colheres e põe o dedo na comida!!!), o
Ainsley Harriot, os americanos
G. Garvin e o já falecido Jeff Smith do
The Frugal Gourmet, as duas gordas (uma infelizmente já faleceu) adoráveis do
Two Fat Ladies, e meus favoritos, os geniais
Si e Dave do
The Hairy Bikers Cookbook. Porque culinária é isso: ensine as pessoas a executarem receitas fáceis com ingredientes que eles podem achar sem dificuldade no mercado.
E aí vem a segunda categoria, os shows de gastronomia... Em geral tem um chef famoso apresentando e cozinhando, utilizam ingredientes os quais muitas vezes o espectador comum nunca ouviu falar, usam plavras francesas e termos profissionais, e ao final apresentam o prato que parece uma pintura. Esta categoria já evoluiu, pois os super chefs não querem mais ser conhecidos apenas pela arte de cozinhar. Por perder audiência para os shows de culinária dos não-chefs que se auto intitulam chefs, eles resolver atacar de back to basics. Nessa categoria estão todos os shows do
Gordon Ramsay (
Kitchen Nightmares, The Hell´s Kitchen e o novo The F Word), o
Jamie Oliver (que na realidade sempre cozinhou despretensiosamente na TV, mas ele é uma celebridade e é chef com C maiúsculo), o
Anthony Bourdain e seu
No Reservations, o
Heston Blumenthal e seu
Heston´s Feast, o genial
Andrew Zimmerman e seu
Bizarre Foods e no Brasil o excelente e extinto programa da Flávia Quaresma e do Alex Atala pro GNT, o
Mesa pra Dois, apesar da Flávia também executar pratos mais viáveis e dar boas dicas e truques às cozinheiras e cozinheiros espectadores. Na minha modesta opinião, quando estes programas juntam ainda viagem, fica melhor...
As pessoas podem ter interpretações diferentes sobre estes shows... Sei de gente que adora a Nigella, eu a acho abominável. Tem gente que acha que sou doida por adorar ver o Andrew Zimmerman comendo besouros ou vermes na tv. Mas para o olho mais treinado em comida - como o meu, aliás profissionalmente treinado - é possível perceber que ele faz bem mais que isso. Ele vai às origens dos hábitos alimentares decada povo que visita. O que pode parecer nojento pra você pode ser iguaria pra outros, então não julgue os hábitos alimentares de cultura nenhuma. Eles todos tem uma razão de ser, e explicam muito da evolução da humanidade, das sociedades e culturas. "Você é o que você come", mesmo!
Então, introdução dispensada, minha nova paixão é o programa do Gordon, "The F Word".
F stands for FOOD. Neste show, diferentemente dos outros, ele cozinha, participa de concursos de receitas com convidados, cria temas, viaja para descobrir ingredientes, aparece em casa com os filhos, enfim, um Gordon mais humano que o que vemos nos outros shows. E para quem não sabe, ele tem aversão à Nigella, ao Jamie Oliver (esta rixa é notória -
no programa Top Gear, sobre o qual já falei, a principal preocupação de Jamie era ter batido o tempo de Gordon na corrida...), ao Anthony Bourdain e ao
Ainsley e outros desses chefs - ele diz que nenhum deles é Chef! Na terceira temporada do programa ele decidiu que ia criar os perus para o jantar de Natal. Começa com ele escolhendo os perus e dando nomes a eles, a ao longo da série vamos descobrindo como os bichos estão se desenvolvendo, a dificuldade de explicar pras crianças que elas vão eventualmente COMER os bichos, etc. Mas eu rolei, rolei de rir com os nomes dos perus, vejam...
Gary (Rhodes), Jamie (Oliver),
Delia (Smith), Ainsley (Harriot), Anthony (Bourdain), Nigella (Lawson) são os perus. Adorei o sarcasmo do Ramsay - deve ter ofendido os chefs, imagino!
Mas o programa vai além, como outros do tipo. Mostra ingredientes alternativos, formas de cultivo alternativo, ingredientes mais saudáveis - além da campanha de Gordon de levar os ingleses de volta à cozinha, para cozinhar comida saudável ao invés de compar tudo já pronto. Ih, é preciso uma campanha destas aqui na Noruega!
Gordon tem como convidado o crítico de restaurantes do The Times inglês,
Giles Corren, que faz as matérias de caráter jornalístico. Na segunda temporada falaram de leite de cavalo - na Bélgica (eles consomem cavalo lá) o leite já está sendo inclusive
comercializado há algum tempo por lá. Na-não, não faça cara de nojo não... Leite de cabra, de ovelha, agora cavalo! O leite de cavalo tem o teor de gordura 50% menor que o leite de vaca. Tá vendo como televisão É educativa?
Foi através de uma dessas matérias de Corren que descobri o fantástico mundo dos "Freegan".
Vegan, em inglês, é o termo que designa as pessoas que seguem o
veganism, ou o bom e velho vegetarianismo. Uma pessoa opta por ser vegetariana por motivos diversos, pessoais e indiscutíveis, como direitos dos animais, saúde, preservação da natureza ou da vida, religião, etc. Mas
freegan?
A definição, pelo
próprio site:
Freeganism é a adoção de um estilo de vida
anti-consumista onde as pessoas empregam estratégias de vida alternativa baseadas na limitação da participação na economia convencional e no consumo mínimo de recursos.
Uffa meg!, como dizem os noruegueses... Então, este povo
vive de não comprar. Como eles sobrevivem? Poderia parecer estranho se não fisesse tanto sentido, considerando que as maiores economias do planeta são em geral as que mais desperdiçam recursos, alimentos, etc.
De acordo com o grupo, o simples fato de um supermercado estar com as prateleiras sempre bem estocadas de perecíveis já é um desperdício enorme. O que acontece, no caso aqui na minha Noruega, por exemplo, com os pêssegos amassados, as mangas murchinhas, as saladas que escurecem e o consumidor não quer comprar? Lembre-se ainda que muitos desses perecíveis vem de outros países, então há o custo com transporte e o inevitável gasto de combustível fóssil, etc,etc. Enfim, esta comida que viajou acaba na lata do lixo.
Uma perguntinha - por favor respondam em forma de comentário, se quiserem. Se você compra frutas ou verduras além do que consegue consumir, e eles começam a deteriorar na sua geladeira, você joga fora? Se sim, provavelmente nem pensaria em comprar frutinhas já amassadas no mercado. Se você responde que aproveita, transformando a fruta em geléia, ou o legume em pickles, por exemplo, você seria capazde comprar as amassadinhas ou murchinhas com este propósito? Eu aqui aposto que ninguém responde sim, nem eu... Afinal, tô pagando, porque comprar fruta estragada?
E aí entram os freegan, os que o Corren acompanhou por um dia em Londres percorrendo os fundos de mercados como Saintsburry´s e Tescos e encontrando - e recolhendo do lixo - esta comida descartada, mas que não está estragada. O mais interessante foi quando eles foram a um bairro
posh (chique) e nas lixeiras das boutiques de comida haviam saladas montadas, sanduíches e outras guloseimas que haviam sido descartados após ficar expostos no balcão por algum tempo. Uma salada de atum, lacradinha na vasilha, limpinha, no lixo. O cara e o jornalista, que está acostumado a comer de graça nos restaurantes mais caros de Londres e ainda ter os chefs tremendo pra agradá-lo (o que me lembra
disso), sentaram numa praça e mandaram ver. A comida estava perfeita, e havia sido descartada.
Quero saber mais sobre o assunto. Ainda é demais pra minha cabeça, mas não posso deixar de admirar os seguidores... Imagina os mendigos de Paris (existem, Bel?) revirando as lixeiras da
Fauchon - a minha imagem do paraíso? Não saía da minha cabeça... Mas tenho um profundo respeito e certa admiração pelas pessoas que fazem de tudo para salvar o planeta (ou assim acreditam), mesmo que sejam capazes das coisas mais esdrúxulas.